podcast: renúncia de Jânio

No link abaixo, comentário em podcast na Rádio Metrópole de Salvador sobre os 47 anos da renúncia de Jânio Quadros.

 

O comentário foi ao ar na segunda, dia 25 de junho.

 

 

 

http://www.radiometropole.com.br/objetos/audios/25-08-08_comentario_julio_renuncia_janio_quadros.mp3

nota: Cesar Vallejo

Cesar Vallejo

 

Poucos viveram tão intensamente as vanguardas na América quanto o peruano Cesar Vallejo (1892-1938). Já em seu primeiro livro, Los heraldos negros, escrito em 1918, Vallejo achou precocemente um lugar na trincheira que os vanguardistas cavavam em sua guerra contra a tradição lírica e formal do modernismo hispano-americano do fim do XIX.

 

Mas foi quatro anos depois, com Trilce – no famoso 1922 – que Vallejo definiu os caminhos de sua busca do novo. Combinou, sob o hermetismo de seus versos livres, traços de vários movimentos hispano-americanos e europeus: criacionismo, ultraísmo, futurismo, cubismo. Inventava algo que Jorge Schwartz considerou de “difícil inserção em alguma tradição literária”. A utopia do novo se manifestava de forma radical em Vallejo. Não havia desprezo completo pela tradição, mas uma maneira peculiar de articular as inúmeras referências que buscava e que conformavam um projeto estético cuja radicalidade tinha um equivalente político nos anos 20 peruanos: a forte ideologização promovida por José Carlos Mariátegui e sua revista Amauta.

 

Interessante é que Vallejo nunca perdeu o prumo dos limites da presença tecnológica no mundo e na poesia. Em parte, a aproximação com o pensamento político de base marxista – que conheceu em Paris, onde morou a partir de 1923, e em viagens à União Soviética e à Espanha – apressou seu distanciamento do culto ao novo professado insistentemente pelas vanguardas. No ensaio “Estética e maquinismo”, constatou com agudeza e ironia: “A máquina não é um mito estético, como não é um mito moral nem econômico.” Em seguida, arrematou: “Os poetas andam hoje tão equivocados que fazem da máquina uma deusa, como aqueles que antes faziam da lua, do sol, ou do oceano, deuses.”

 

Ao comparar criticamente os poetas da vanguarda com os da tradição finissecular, Vallejo rejeitava quase globalmente as vanguardas, inclusive seus próprios textos anteriores. Nem por isso abandonou a disposição de encontrar uma expressão autônoma dos latino-americanos. Reagia, na verdade, à insistência da repetição de termos que tentavam defender a especificidade latino-americana, e que não vinham acompanhados, para ele, de uma efetiva autonomia em relação à estética e ao pensamento europeus. Defensor insistente da criatividade e da capacidade renovadora, Vallejo foi um dos iniciadores da vanguarda latino-americana e, ao perceber seu rápido esgotamento, um de seus primeiros críticos.

 

 

(Esse texto foi originalmente publicado no número especial Cadernos Entrelivros – Panorama da Literatura Latino-Americana, número 7, junho de 2008)

nota: Roberto Arlt

Roberto Arlt

 

Ao apresentar uma coletânea de contos de Roberto Arlt (1900-1942), Ricardo Piglia lembrou um episódio insólito de seu enterro. O caixão de Arlt, armado em seu quarto para o velório, não pôde passar pela porta. Montaram, então, um sistema de roldanas que permitisse tirá-lo pela janela. Uma foto registrou o momento em que o caixão estava suspenso no ar. Para Piglia, a cena é simbólica: ilustra a posição de Arlt, “suspenso” sobre a literatura argentina.

 

De fato, a crítica o considera, quase unanimemente, “deslocado” ou “inclassificável”. Sua prosa começou a ser publicada no contexto das vanguardas, mas não é possível associá-la diretamente a qualquer dos movimentos que uniram os vanguardistas. Seu domínio lingüístico – observou Viviana Gelado – também guardava distância em relação ao de seus pares: seu espanhol sempre foi marcado pelo estrangeirismo que herdou dos pais (pai prussiano, mãe italiana) e jamais dominou o francês ou o inglês que seus contemporâneos liam.

 

Os personagens de Arlt estão sempre em condição instável, jamais se fixam e têm dificuldade para lidar com a realidade. Já se disse que são “viciados em ficção”: circulam em um mundo baseado e seguidamente reinventado pela produção de relatos ficcionais. Assumem o caráter imaginário da realidade e recorrem à ficção para transformá-la.

 

Exemplo privilegiado é Arturo Haffner, “o rufião melancólico” que aparece em Os sete loucos (1929). Haffner foi professor de matemática e se tornou o responsável pela implantação de uma rede de lupanares que financiasse o plano do Astrólogo Alberto Lezin de criar uma “nova sociedade” – fundada na mentira e na violência, em Lênin e em Mussolini, e que substituiria o mundo capitalista em crise do entreguerras. Haffner auxiliou o endividado e angustiado Remo Erdosain, cuja história abre o livro, e evidentemente não acreditava no plano da nova sociedade. Via na ficção alucinada do Astrólogo, porém, a oportunidade de obter vantagens e, principalmente, superar o tédio que a realidade lhe infundia

 

Já no primeiro livro, El juguete rabioso (1926) se notava a peculiaridade da fala de Arlt – que prosseguiu e ganhou mais densidade em livros como Os sete loucos, Los lanzallamas (1931), El jorobadito (1933) ou nas colunas diárias Aguafuertes, que publicava no jornal e depois foram reunidas em livros. Essa estranheza – “desvio”, diz Piglia – era um dado de formação e de inserção social: o mundo dos imigrantes que não falavam nem escreviam segundo a norma culta do espanhol. Daí a estranheza e a dificuldade de classificação: em Arlt, não havia a intenção vanguardista de expressar a cor local; seu registro compreendia a espontaneidade de uma cidade que crescia e incorporava novos atores sociais, outras nacionalidades e expressões lingüísticas. Em alguma medida, Arlt não buscava as margens, não transgredia por intenção iconoclasta; vinha delas, falava sua língua – ou uma de suas línguas.

 

Sua relação com os meios reconhecidos de difusão cultural foi, nesse sentido, ambígua. Chegou a colaborar em Proa, destacou a emergência de um mundo moderno e suas implicações no quotidiano. Mas nunca restringiu seu repertório às distantes versões cultas (ou, notou Borges, idealizações) do homem das margens. Combinou variadas referências literárias e históricas e incorporou o registro do melodrama e das manifestações populares da cultura: a crônica policial, o cinema norte-americano, a atração pelo exótico, pelo místico e pela ciência simplificada dos manuais. Circulou no universo empobrecido dos arredores de Buenos Aires e o transpôs, com sua escrita mesclada, para o centro da literatura argentina.

 

[Esse texto foi originalmente publicado no número especial Cadernos Entrelivros – Panorama da Literatura Latino-Americana, número 7, junho de 2008]

nota: Juan Carlos Onetti

Juan Carlos Onetti

 

A peculiaridade e a importância da obra do uruguaio Juan Carlos Onetti (1909-1994) só foram tardiamente reconhecidas. Aos 30 anos, era secretário de redação do tablóide Marcha, cuidava da seção cultural e publicava relatos e pequenas notas de crítica. Também em 1939 lançou seu primeiro romance, El pozo, que fez rápido sucesso entre jovens intelectuais (e candidatos a escritor) uruguaios. Sua fama ficou, no entanto, confinada a esse pequeno grupo mesmo durante os quinze anos, de 41 a 55, que Onetti morou em Buenos Aires.

 

El pozo, primeiro livro de Onetti, se passa em Montevidéu e é um relato breve e intenso. Publicado por ele mesmo, trazia um falso desenho de Picasso na capa (para alguns, feito pelo próprio Onetti). Seu protagonista, Eladio Linacero, sente-se cansado e é consciente da futilidade da vida. Reconhece a vilania e a comunicação difícil entre os homens. Para escapar da realidade, decide escrever um sonho. O plano de Linacero para esconjurar o tédio reapareceu em personagens posteriores de Onetti – principalmente no Juan María Brausen, de A vida breve.

 

O romance seguinte, Tierra de nadie (1941), transcorre em Buenos Aires. Mas em ambos já se percebe a forma de representação urbana que Onetti desenvolveu, depois, em muitas histórias sob o nome da cidade fictícia Santa Maria. É uma cidade de imigrantes, como os vanguardistas dos anos 1920 conheceram tão bem. Só que, em Onetti, a cidade, minuciosamente descrita, não é ambiente ou espetáculo frenético; ela está no centro da obra, é uma espécie de mundo novo, regula e move os personagens, que imergem, angustiados, numa modernidade desorganizada e quase sempre restam preguiçosos por trás de seus cigarros, enfurnados em espaços íntimos, às vezes claustrofóbicos, e em vidas simplificadas e comuns, ocupadas por desenganos, ilusões, cansaços e mentiras – tudo em doses miúdas.

 

Esses personagens narram suas histórias, assegurando a variedade de vozes e produzindo pequenas tramas que se sucedem e se misturam. Reaparecem seguidamente nos contos e romances, fazendo com que os romances se pareçam com sucessões de contos e os contos, com capítulos de romances. No conjunto, garantem a organicidade da obra e dissolvem, ao menos parcialmente, a linha que separa um gênero do outro. A esse universo, Onetti acrescentou o rigor literário, a discussão sobre tempo e memória e, com A vida breve (1950), ampliou seu temário, incorporando a ficção dentro da ficção e um caleidoscópio de mundos imaginários.

 

O reconhecimento do significado de sua obra fato só veio após 1960. Mesmo assim, sua diferença em relação aos escritores do boom era patente. Em Onetti nunca houve qualquer preocupação com cor local e a influência de Faulkner, Céline e Borges deixava-o distante da magia e da fabulação. A disposição de cruzar obras, também: seus principais escritos posteriores a A vida breveUna tumba sin nombre (1959), O estaleiro (1961) e Juntacadáveres (1964) – compõem uma trilogia, cujos personagens e situações comuns resumem o universo onettiano de contrastes e combinações de sonho e realidade, amor e morte.

 

[Esse texto foi originalmente publicado no número especial Cadernos Entrelivros – Panorama da Literatura Latino-Americana, número 7, junho de 2008]