Faca, de Ronaldo Correia de Brito, é livro sobre o tempo. Cada um dos contos, onze, expõe uma de suas faces, que vão daquele Tempo com T maiúsculo, substância formadora dos homens — disse Borges —, a suas distintas percepções.
Os gestos dos personagens dependem da gravidade irregular da passagem das horas. Os anos tardam para mulheres como Donana, Aldenora, Delmira ou Ciça e o ritmo da vida externa se contrapõe à lentidão da vida, ao cadenciado que cheira à morte.
O anseio por novos tempos, porém, nem sempre as conduz ao futuro. Para elas e muitos dos homens — o Velho, Leonardo Bezerra, Otacílio Mendes, Anselmo Dantas — é mais o passado que dita o que virá do que a imprecisão presente.
Dependem, uns e outras, do que foi vivido, e nem sempre por eles mesmos. É como se, mais do que formadora, a substância do tempo os deformasse, pegajosa, insistente, e os fizesse perder de vista outros viveres.
Há, porém, eventos súbitos que interrompem a marcha demorada dos dias. Cortantes, arrebentam a cadeia da repetição e instauram outra possibilidade. O leitor, prisioneiro da tensa narrativa da espera, aprende, conto a conto, a aguardar o desenlace, faca de duas lâminas, momento que define uma vida, e ocasionalmente se espanta com o final de riso no lugar da angústia ou do horror — Davi Arrigucci observa, no posfácio, que também a surpresa do humor reitera a densidade do tempo que a antecede.
A se contrapor ao arrastado dos tempos, há ainda outra faca, a da prosa seca e direta, metafórica mas rasante, em que os contos são cifrados. Estes, talvez, os maiores ensinamentos que Ronaldo Correia de Brito deixa para o leitor: transpor o peculiar para o geral implica reconhecer os ritmos da linguagem; traduzir o específico no universal depende do respeito e da reinvenção das vozes que narram, evitando o artificialismo da imitação e condensando, em rápidas histórias, um tempo imemorial — essa matéria porosa.
Ronaldo Correia de Brito. Faca. São Paulo: Cosac & Naify, 2009