Máfia, de Petra Reski

Máfia. Padrinhos, pizzarias e falsos padres é um livro irregular. Tem grandes méritos e diversos problemas.

Foi escrito por Petra Reski, jornalista alemã, com objetivo claro: alertar para a ampla penetração da máfia na Alemanha.

O tema é espinhoso. Ninguém duvida que a máfia atue fortemente na Itália, nos Estados Unidos, na Espanha ou no Reino Unido. A Alemanha, porém, sempre negou a presença do crime organizado em seu território. Ou seja, mais do que espinhosa, a questão traz um histórico de omissões e discursos oficiais que a rejeitam.

Feito para incomodar, o livro incomodou. Esse talvez seja seu maior mérito. Prova disso é o fato de que algumas pessoas citadas recorreram à justiça alemã e conseguiram a aplicação de tarjas pretas sobre vários trechos da obra.

Outro mérito vem da pesquisa, grande, que a autora fez e que ajuda a revelar casos polêmicos. Ela se mostra igualmente atualizada em relação ao debate sobre o funcionamento das várias organizações mafiosas italianas e a divisão de papeis no atual cenário do crime mundial.

Exatamente por isso, Reski privilegia a ‘Ndrangheta, da Calábria, principal responsável pelo tráfico de drogas na Europa. A ‘Ndrangheta é menos famosa do que suas correlatas napolitana (Camorra) ou siciliana (Cosa Nostra), mas igualmente poderosa e, diz Reski, a mais influente na Alemanha.

O livro tem outros pontos positivos. Esclarece, por exemplo, antigos equívocos na interpretação histórica acerca do papel da máfia, que continua a ser vista por muitos (e mal informados) autores como um exemplo de resistência popular à imposição do Estado italiano — mesmo um autor respeitável, Eric Hobsbawm, já defendeu tal ideia.

Reage à mistificação que parte da mídia construiu em torno do mundo do crime e lembra que as grandes organizações hoje se dedicam a atividades econômicas legais, como o turismo, ou concentram seus esforços na obtenção de recursos públicos por meio de licitações fraudulentas.

Reski apresenta, sobretudo, uma visão moderna do lugar atual da máfia, bem distante do que encontramos nas telas dos cinemas.

No entanto, o lado bom do livro acaba prejudicado pela superficialidade com que alguns temas são tratados. A reurbanização de Palermo, no final dos anos 1980, por exemplo, obra da única prefeitura anti-máfia que a cidade já teve, é mencionada apenas passageiramente; perde-se, assim, a oportunidade de discutir a importância de ações que atingem o funcionamento quotidiano das organizações.

Toda a Sicília que a autora apresenta é, no fundo, superficial. Paisagens e pessoas surgem filtradas por um olhar turístico: o mesmo tantas vezes usado na mitificação da máfia e de seus supostos vínculos populares.

Também a ‘Ndrangheta, personagem principal, é citada incontáveis vezes, mas sua atuação quase não é documentada. Infere-se que a autora tenha a comprovação do que diz, mas — fora as referências aos óbvios e necessários relatórios da Comissão Antimáfia italiana — quase nada aparece para sustentar sua argumentação.

Para completar, a tradução e a edição brasileiras erram mais do que seria aceitável: erros de concordância, ortografia e sintaxe recheiam o livro, prejudicando a leitura.

No conjunto, porém, o livro vale a leitura. No mínimo, pela própria disposição — e, quando se trata de máfia, não custa lembrar: pela coragem — de denunciar algo quase sempre negligenciado. No máximo, pelas pistas que dá para um estudo mais sistemático da organização criminosa italiana que menos se conhece fora da Itália e que é tão nociva quanto as demais.

Petra Reski. Máfia. Padrinhos, pizzarias e falsos padres. Rio de Janeiro: Tinta Negra, 2010 (original: 2008; tradução: André Delmonte)